Nova Ordem Mundial

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Nova Ordem Mundial, do Angeli

domingo, 3 de agosto de 2008

O TERROR E O ESTADO: FORÇAS ANTAGÔNICAS

A História é marcada pelo embate de forças. Forças civis, militares, políticas. Estas forças interagem entre si, alternando-se por momentos de paz e conflitos, tensões e distensões. Dentro da “estrutura do poder legitimado” elas podem ser consideradas forças “oficiais”, entretanto, ainda há uma quarta força, que eu chamaria de “extra-oficial” que ainda não encontrou seu espaço de representação, mas não significa que deixe de existir. Muito pelo contrário. Sua atuação tem tido cada vez mais significância e predominância no cenário internacional, despertando cada vez mais o interesse de analistas, historiadores, jornalistas numa busca de tentar compreender as mudanças que regem as atuais estruturas do poder internacional e levantando algumas hipóteses sobre a “Nova Ordem Mundial”. Após a queda do muro de Berlim, e consequentemente, a perda do regime socialista, os Estados Unidos da América prevaleceram no cenário internacional como uma força hegemônica, imperialista e centralizadora de poder e legitimidade. A partir dos ataques às torres gêmeas em 11 de Setembro de 2001, essa legitimidade começou a ser questionada. A partir daí, o que se viu foi uma ascenção, ainda que em focos isolados, cada vez mais crescente de grupos considerados “terroristas” pelo mundo inteiro. Por serem consideradas uma força “extra-oficial”, ainda não é possível quantificá-las, classificá-las, compreender suas estratégias e formas de atuação, além dos diversos contextos em que elas se fazem presentes. Mas uma coisa é certa. Diante do declínio do poder e da legitimidade do estado-nação, os grupos “terroristas” encontraram espaço para atuação. Um estado muitas vezes incapaz de suprir as necessidades e direitos básicos do cidadão abre portas para a formação e atuação de um outro grupo, que, apesar de ainda demonstrar uma certa dispersão em seus objetivos e propostas, demonstra tentar preencher um vazio causado pela ausência ou ineficiência do estado. Recente estudo sobre o terrorismo global, feito pelo Departamento de Estado americano em 2005 e publicado no livro “Globalização, Democracia e Terrorismo”, do historiador Eric Hobsbawm, enumera – sem contar o Iraque, que é uma guerra de verdade – 7500 ataques terroristas no mundo inteiro, com 6600 vítimas.
Este fato pode ser comprovado a partir do crescimento do número de matérias relacionadas aos “grupos terroristas” que são publicadas/veiculadas diariamente pela mídia. Este assunto merece uma abordagem mais ampla, com o objetivo de quantificar e qualificar os “grupos terroristas” a partir de uma aspecto mais abrangente, que compreenda o que tem sido publicado, quais os locais de maior incidência destes grupos e suas formas de atuação. Além disso, é preciso fazer uma abordagem mais ampla, por exemplo, matérias publicadas em veículos de comunicação “convencionais” e os considerados “alternativos”. Para se chegar a um resultado mais acertivo, o ideal é fazer uma análise que possa abranger um período mais amplo da História. Entretanto, devido às limitações de tempo e espaço, e por esta proposta se basear em uma análise não muito aprofundada, a autora resolveu iniciar uma proposta preliminar sobre o assunto e limitou seu objeto aos seguintes dados. O veículo de comunicação escolhido foi o jornal Folha de São Paulo por ser um dos principais representantes da mídia impressa nacional em versão online, devido a uma maior acessibilidade. Entre os dias 30 de julho e 1 de agosto de 2008 foram selecionadas cinco matérias que abordavam assuntos relacionados a “grupos terroristas”, conforme demonstra tabela abaixo. Destas cinco matérias, uma era sobre o Hizbollah, no Líbano, outra sobre a Al Qaeda, no Paquistão, outra sobre as FARCs, na Colômbia e duas sobre o Hamas em Israel. Dos assuntos mencionados, a matéria sobre o Hizbollah, considerando a situação atual do país, expõe a fragilidade do Estado libanês. A matéria descreve como o Hizbollah mantêm um esquema de segurança paralelo ao governo libanês que tem o objetivo de controlar a entrada/saída de estrangeiros. O Chefe do Departamento responsável pela segurança do aeroporto, uma instituição governamental, faz parte do grupo xiita e é acusado de colaborar com o Hizbollah. O governo libanês tenta controlar estas forças há muito tempo, mas sem sucesso. O Hizbollah é considerado uma força paralela, muitas vezes com maior credibilidade junto à população que o próprio Estado. Devido aos impasses políticos e à dificuldade em centralizar um governo que atendesse à maioria libanesa, o Estado permeneceu por vários meses sem um governo único, permanecendo uma situação de conflito e tensão desde que o ex-presidente Emil Lahud deixou o seu posto. Neste período, o exército assumiu temporariamente mas não foi suficiente para restabelecer a soberania e a ordem do país. O Hizbollah, um partido político radical de oposição ao governo, da ala xiita, cometeu diversos atos considerados “terroristas” no intuito de coibir as forças aliadas ao governo e conseguiram, por vários meses, manter um clima de instabilidade na região. O atual presidente do Líbano, Michel Suleiman, no governo há três meses, ainda depende do apoio do exército na tentativa de evitar divisões internas e ações “terroristas”. Recentemente, a tensão política no país intesificou-se depois que militantes do Hizbollah invadiram áreas de Beirute em protesto contra a tentativa do governo de limitar o poder do grupo.
Já no Paquistão/Afeganistão, o grupo “terrorista” que predomina é a Al Qaeda. A matéria analisada descreve como os EUA, através de sua Agência de Inteligência, a CIA, desconfiam que há militantes da Al Qaeda infiltrados na Agência de Inteligência Paquistanesa. Isto se justifica, principalmente, por informações de ataque dos EUA à região fronteiriça com o Afeganistão terem sido “vazadas” à rede Al Qaeda. O ISI é a principal agência de inteligência do Exército, que dirige suas operações. Funcionários dentro do ISI já são há muito tempo acusados por políticos e governos externos de apoiar o regime talibã.
Outra notícia de destaque sobre “grupo terrorista” selecionada, que vem sendo quase que diariamente abordada pela mídia nacional e internacional foi sobre as FARCs. De acordo com a matéria, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ignoraram o apelo do presidente da Venezuela, Hugo Chavez, para que depusessem as armas e disseram que vão continuar com a luta armada. Para o líder guerrilheiro Ivan Márquez, a solução política ao conflito só será possível com outro governo, que não seja o de Álvaro Uribe. Segundo ele, as causas que motivaram o conflito não mudaram. Segundo Chávez, apesar do sequestro ser inadmissível, a “guerra de guerrilhas faz parte da história”. Máquez defendeu o sequestro como via para conseguir a libertação dos guerrilheiros presos e afirmou que as FARCs estão em seu direito de buscar por todos os meios a liberdade dos combatentes presos. As FARCs tem tido um amplo destaque pela mídia, principalmente depois que o governo da Venezuela começou a interferir pela libertação da candidata à presidência, a franco-colombiana Ingrid Betancourt, libertada no mês passado, refém das FARCs por seis anos, dentre outros presos políticos. A guerrilha atua na Colômbia há vários anos, utilizando-se principalmente da estratégia do sequestro (não há consenso sobre o número de reféns) como forma de coibir o governo colombiano e exigir uma maior autonomia para a região, desvinculada da política dos Estados Unidos. Parte do território colombiano está sob controle das FARCs.
Estes são somente alguns exemplos pontuais sobre a situação de grupos considerados “terroristas” e suas formas de atuação em confronto com o Estado. É necessária uma análise mais aprofundada, entretanto, a própria mídia não nos deixa muita escolha e se precipita em “rotular” esta que poderia ser considerada uma “força extra-oficial”. É necessário refletir a crise dos sistemas tradicionais de autoridade. Um importante elemento para o enfraquecimento do estado, é a “lealdade que os cidadãos lhe devotam, assim como sua disponibilidade para fazer o que o Estado lhes pede, que estão erodindo”, comenta Hobsbawm. Em contrapartida, alguns elementos que proporcionam o surgimento e fortalecimento dos grupos terroristas é a ampliação da mobilidade das pessoas, o que torna cada vez mais difícil aos governos controlar o que entra e sai do país, além da perda de parte dos seus territórios. A Agência Central de Inteligência (CIA) identificou, em 2004, cinquenta regiões do mundo sobre as quais os governos nacionais exercem pouco ou nenhum controle.
Provavelmente, um outro motivo para o aumento dos “atos terroristas” nos últimos anos, além dos motivos já expostos, seja a hostilidade ao imperialismo. A posição típica de qualquer Estado é defender seus interesses e o surgimento de situações intoleráveis no mundo contemporâneo e a dificuldade dos Estados em solucioná-las possa também ter contribuído para este aumento.
O número total das mortes causadas pelas guerras do século XX ou associadas a elas foi estimado em 187 milhões de pessoas, o que equivale a mais de 10% da população mundial em 1913, segundo Hobsbawm. A maior parte destas guerras teve como principal motivação o imperialismo. Se considerarmos o “terror”, um movimento de oposição ao imperialismo, sendo assim uma “contra-guerra”, qual a proporção de vítimas de “atentados terroristas” para vítimas de “atentados (guerras) imperialistas”? E, se tentarmos explicitar mais ainda, qual a proporção de vítimas dos governos ditatoriais da América Latina, das vítimas do colonialismo na África, dos civis inocentes que morreram na guerra do Iraque para as vítimas dos atentados terroristas, incluindo o seu maior representante, o ataque às torres gêmeas do Onze de setembro de 2001? Para Hobsbawm, a fase atual do terrorismo internacional é mais séria do que no passado pela possibilidade de massacres deliberadamente indiscriminados, mas não pela sua ação política ou estratégica. “Ele é menos perigoso do que a epidemia de assassinatos políticos que começou na década de 1970 e que não despertou a atenção da grande imprensa porque não afetou a Grã-Bretanha e os Estados Unidos”.
Se os “grupos e atos terroristas” irão prevalecer em oposição a um vazio deixado pelo Estado, como dizia Eric Hobsbawm, só o futuro dirá. Como dizia Hamlet, eis a questão. E eu, como todos os jornalistas, que ainda bem não são profetas, não tenho a obrigação de dar uma resposta. Só de fazer as perguntas.

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